FACULDADE TEOLÓGICA CRISTÃ DO BRASIL – F.T.C.B.
Literatura Cristã Primitiva
Denes Izidro, Professor ©[1]
OS APOCALIPSES CRISTÃOS APÓCRIFOS[2]
1. A Moldura Apocalíptica Judaica dos Apocalipses Cristãos
· O termo “Apocalíptica” pretende designar duas coisas: 1) O gênero literário dos apocalipses, ou seja, escritos revelacionistas que manifestam mistérios futuros e transcendentes; e 2) a concepção de mundo da qual procede essa literatura. Quanto ao conteúdo, a apocalíptica é uma forma específica de escatologia do judaísmo.
· Por meio da literatura apocalíptica podemos entender o judaísmo intertestamentário, o qual é um dos panos de fundo do período e formação do Novo Testamento. Além disso, podemos entender melhor os Apocalipses produzidos na era cristã.
· A Apocalíptica judaica refere-se a uma corrente de pensamento e literatura judaicas produzidas entre 200 a.C. e 100 d.C.
· FILHA E HERDEIRA DA PROFECIA – Resultado e resposta ao silenciamento profético do período intertestamentário.
· LITERATURA DE RESISTÊNCIA – Expressão literária que surge em momentos de crise nacional ou opressão imperial como reação às mesmas em linguagem codificada e mítica.
· ESCATOLOGIA MITOLOGIZADA – Expressão mítica do final dos tempos e da chegada do novo mundo.
· TESTAMENTO E ARREBATAMENTO – A apocalíptica judaica se resume em dois principais gêneros de expressão apocalíptica: os Testamentos ou discursos de despedida e os Arrebatamentos.
· É sob esta moldura literária e conceitual básica da apocalíptica judaica que os apocalipses cristãos, como o Apocalipse canônico de João, construirão seus textos apocalípticos do século I até a Idade Média.
· As Principais características da Apocalíptica Judaica, também presentes e detectáveis nos Apocalipses cristãos primitivos, são as que se seguem:
i. Pseudonímia – o apocalíptico não escreve sob seu próprio nome, mas sob o nome de uma das grandes sumidades do passado (no caso da ApJud, Moisés, Enoque, Adão, Esdras, etc; no caso dos ApCrist, Paulo, Pedro, Tiago,etc.); a função da pseudonímia nos ApJud é bastante discutida, contudo de alguma forma tal uso parece querer dar alguma autoridade ao livro.[3]
ii. Relato de Visão – o modo pelo qual o vidente recebe suas revelações é, na maioria das vezes, a visão. Por isso os Apocalipses se apresentam como relatos de visões (I e II Enoque, Apocalipse de Elias; Apocalipse de Paulo, Apocalipse de Pedro, Apocalipse de João). Essa visão pode ocorrer em sonhos ou em Êxtase. Geralmente o vidente é arrebatado até o céu ou céus. Essa visão pode ser transmitida depois por via literária (ApJo;ApPe), ou num discurso de despedida pouco antes de sua morte (TestLevi).
iii. Linguagem Simbólica – figuras que representam acontecimentos na forma de símbolos. Figuras procedentes da natureza ou da ficção mitológica.
iv. Viagens ao Além – por meio de arrebatamentos visionários aos céus ou ao inferno os videntes tomam conhecimento do que está encoberto. Essas viagens oferecem a oportunidade de transmitir conhecimentos sobre a topografia do céu e do inferno, sobre a hierarquia dos anjos e outros conhecimentos não acessíveis de outro modo. Da ApJud temos o exemplo de I Enoque, da ApCrist o ApPaul.
2. Os Apocalipses Cristãos Apócrifos
· O gênero apocalíptico estava sendo muito usado pelos cristãos; sua produção vai do fim do século I até a Idade Média – não obstante a reserva da Igreja oficial em relação aos Apocalipses, inclusive o de João.[4]
· Os cristãos salvaram da destruição os apocalipses judaicos, talvez considerando-os sua própria literatura e ocasionalmente os adaptaram ao cristianismo, isto é, cristianizaram alguns Apocalipses judaicos (ex.ApCoptEl;TestXIIPatr). Contudo, a produção apocalíptica judaica parece ter cessado também pelo fato de que os cristãos estavam fazendo uso de seus Apocalipses, numa edição cristã, e do seu gênero apocalíptico, em suas propagandas cristãs (Russell,1997.pg.59).
· Entre os textos gnóstico-cóptas de Nag Hammadi igualmente se encontram apocalipses, ou obras que levam esse título; a saber: Apocalipse de Paulo, Primeiro Apocalipse de Tiago, Segundo Apocalipse de Tiago, Apocalipse de Pedro e Apocalipse de Adão.
· O Apocalipse de Adão é de origem e conteúdo não cristão, por isso não estará sob nossa atenção aqui.
· Os dois Apocalipses de Tiago não são considerados verdadeiros Apocalipses, do ponto de vista do gênero literário apocalíptico, não obstante se auto-denominem como tais. O primeiro contém diálogos de Jesus com Tiago, um antes e um depois da morte de Jesus; o segundo, no contexto do martírio de Tiago, traz um discurso de Tiago, no qual cita um discurso de Jesus dirigido a ele. Seus títulos se justificam etimologicamente, uma vez que revelam mistérios e gnose sobre cristo e a salvação, isto é, são discursos revelacionais – “diálogos de revelação”.
· O mesmo pode ser dito em relação ao Apocalipse de Pedro. Já no Apocalipse o Paulo pode ser contado entre os Apocalipses, porque contém elementos tradicionais desse gênero; pressupondo IICo.12.1ss, este Apocalipse apócrifo fala do arrebatamento de Paulo do terceiro ao décimo céu, andar por andar; o interesse do escrito não está em Paulo, mas no destino da alma[5]. Ele põe o gênero apocalíptico judaico à serviço de interesses gnósticos.[6]
· Os apocalipses cristãos posteriores não surgiram mais a partir de circunstâncias contemporâneas; ao contrário do que acontecia com os apocalipses judaicos e cristãos-primitivos, não eram mais literatura de resistência,isto é, passarão a revelar apenas as expectativas de grupos mais ou menos especulativos.
[1] Denes Izidro é Pastor evangélico e estudioso de Novo Testamento, desenvolvendo pesquisas na área de Bíblia e literatura cristã primitiva canônica e não-canônica. Além disso, é também professor de Língua, Literatura, Contexto e Teologia do NT, e outras disciplinas na área de Bíblia e seu contexto histórico-literário, na Faculdade Teológica Cristã do Brasil (DF). © todos os direitos autorais desta obra devem ser preservados.
[2]Vielhauer,Phillip.História da literatura cristã primtiva.Academia Cristã: São Paulo; Koester,Helmut.Introdução ao novo testamento – História e literatura do cristianismo primitivo.Paulus: São Paulo; Dubois,J.D.;Kuntzmann,R.Nag Hammadi-O evangelho de tomé.Paulus:São Paulo.
[3] D.S.Russel, no seu Desvelamento do divino.Paulus:São Paulo.pgs.95-100, discute em profundidade sobre a função da pseudonímia, concluindo que tal uso invocava autoridade sobre os Apocalipses ao mostrar que “a verdade revelada nos tempos antigos atingiu enfim sua consumação” – isto é, nem mera convenção literária, nem fraude autoral.
[4] Quiçá, pelo fato também de ser ele muito usado pelos montanistas.
[5] Esse Apocalipse de Paulo copta de Nag Hammadi não deve ser confundido com um outro Apocalipse de mesmo nome.
[6] Os textos gnósticos intitulados de “Apocalipses” são, geralmente, discursos de revelação que às vezes emprestam do gênero judaico alguns elementos estilísticos, não sendo criados porém de conformidade total com seu modelo apocalíptico. Contudo, esse modelo permaneceu determinante para os apocalipses cristãos posteriores.
segunda-feira, 23 de abril de 2007
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